Há muito acompanho futebol. Há muito frequento estádio. Para ser mais precisa, tudo começou lá em 1999, quando meu pai me levou pela primeira vez ao Maracanã. Eu tinha 6-7 anos, pouca coisa entendia acerca daquilo, e não fazia a menor ideia de que aquela prática e aquele ambiente se tornariam uma das maiores paixões da minha vida.
Das poucas lembranças que tenho de minha "segunda infância", essa ida ao Maracanã é uma das mais emblemáticas. Sobre o jogo em si, não tenho muito o que falar. O que eu sei é que me envolvi, principalmente, por aquele "mar de gente" e suas reações exaltadas, suas expressões faciais expressivas, os gritos e cantos à plenos pulmões. Tenho a teoria de que aprendi meus primeiros palavrões nesse dia.
Passei a torcer pelo Fluminense e cresci ouvindo que a minha torcida era torcida de viado. Descobri que a alcunha do meu time era "Florminense", o que fazia de nós os "flores". Paralelamente, meio sem perceber, já estava chamando meu rival de molambo e rindo das provocações que permeavam o futebol. Achava tudo natural, muito em função do meu pai, o meu "modelo e referência", bradar todas essas coisas sem nenhum tipo de constrangimento. Daí, meu raciocínio era simples: se meu pai fazia, provavelmente não era algo ruim, não é?
Mas os anos se passaram, e com eles, minhas ideias de mundo, minhas opiniões, minhas perspectivas foram mudando. Percebi que meu comportamento no estádio começava a ser um paradoxo diante das coisas que acreditava e pregava. Como lutar diariamente por isonomia e protagonismo para os LGBTs, se ao vestir a camisa do meu time e pisar no Maracanã, eu direciono um raivoso grito de "viado!" para o árbitro, na tentativa de ofendê-lo?
Escrevo este texto inspirada na atitude da jornalista Gabriela Moreira, da ESPN. Ao abordar um torcedor palmeirense perguntando sua expectativa para o jogo contra o São Paulo, a repórter ouviu como resposta: "vamos ganhar dos bichas(...)". Imediatamente, a repórter interveio dando uma bela resposta: "não à homofobia, né? vamos tentar modernizar um pouco esse pensamento".
Não, nenhum esporte legitima sua estupidez. Nenhum esporte funciona como justificativa para você ser um boçal. O futebol não é um universo paralelo, onde todas atitudes infames se tornam permitidas. Precisamos cair na real e parar de naturalizar gritos preconceituosos e alcunhas homofóbicas. Isso não é do jogo. Isso não é do futebol. O esporte não dá carta branca para ser, dentro dele, aquilo que "não se pode ser" lá fora, no dia a dia.
A violência dentro dos estádios, pouco combatida e pouco investigada, permite que torcidas se degladiem livremente. O combate à crimes ligados ao mundo do futebol acontece de modo muito mais ameno. Ilustrando isso, o caso recente de pancadaria generalizada entre torcedores de Atlético-PR e Vasco da Gama: muitos torcedores envolvidos já tinham antecedentes criminais, mas não ficaram presos nem um mês, além dos inúmeros foragidos.
TO's envolvidas em brigas dentro ou nos arredores são banidas de frequentar o estádio, mas seus membros não são identificados individualmente. A agremiação é banida, o torcedor não. Sem essa investigação minuciosa, o torcedor que briga segue frequentando o estádio normalmente, apenas sem portar seu uniforme de organizado. Fácil, não? Isenção surreal e absurda, oriunda da falta de seriedade no modo de encarar esses crimes.
Episódios recentes de racismo no futebol ganharam grande repercussão na imprensa. Os casos do volante Tinga e do goleiro Aranha causaram grande comoção, de modo à desencadear grandes campanhas contra manifestações racistas nos estádios. Entretanto, no que diz respeito à investigação e punição, nada, de novo. Apesar de indiciados por injúria racial, os torcedores envolvidos no caso do goleiro Aranha conseguiram acordos com a Justiça e não foram presos.
A imagem da torcedora Patricia Miranda bradando o grito de "MACACO!" repercutiu por semanas a fio, causando, de maneira geral, grande revolta entre as pessoas. Entretanto, não foi difícil encontrar gremistas tentando relativizar o ato da torcedora, talvez na tentativa desesperada de blindar o seu clube.
É essa relativização que preocupa. Essa forma blasé de encarar o racismo e/ou a homofobia no esporte denota certa desumanidade e total ausência de valores morais.
Cante pelo seu time. Provoque seu rival. Tudo isso é possível sem precisar recorrer à apelidos grotescos, à recursos ofensivos, ao "bicha!" a cada tiro de meta, ao "camisa feia, cheia de cor, todo viado que eu conheço é tricolor!", ao "bambi", ao "mulambo", ao "macaco", e afins.
Acredite: isso não é uma tentativa de burocratizar o futebol ou esporte. Isso é uma tentativa de melhorar a sociedade em que vivemos.
Ótimo texto!
ResponderExcluirSim, como você colocou bem, é possível melhorar ("modernizar um pouquinho o nosso pensamento") sem burocratizar o esporte em nenhum aspecto.
Beijos!